QUANDO A GENTE SE ESQUECE...- Donato Ramos

Recebo - e com as mãos trêmulas abro o envelope - exemplares de um Jornal da minha terra: assusta-me o nome FOLHA DA ESTÂNCIA e me pergunto se Paraguaçu Paulista, agora, fica no Rio Grande. Explicações, talvez mais tarde, se a troca de correspondência tiver prosseguimento. Olho novamente o cabeçalho, o expediente e confirmo. É mesmo de lá, de Paraguaçu. Expectativa muito grande. Afinal, saí de lá quando tinha 19 e já tenho 72. Vou lendo nomes e mais nomes. Não encontro ninguém. Leio, releio. Nada. Absolutamente nada!
Não é de lá, não pode ser. Última página. Pego o outro exemplar. Nada. O outro e mais um outro. Absolutamente nada.
Oh! Santa ignorância, meu Deus: se o tempo passou e muito, como vou achar os nomes dos meus professores, do dono do bar da esquina, dos meus companheiros da Rádio Clube Marconi, jogadores do time onde joguei, o ABC - Atlético Brasil Clube, dos colegas do Serviço de Alto Falantes Cacique, cujo slogan era “Porta-voz radiofônico da rodoviária”?
Leio atentamente prá ver se encontro José Ferreira Martins, Antoninho Machado, Mário Luz (que sabia como o vidro era feito) e Carlos, seu irmão, que me dizia pra aprender a respirar pelo diafragma pra poder tocar gaita de boca... Tocar eu aprendi, mas respirar pelo diafragma acho que era gozação dele. Não tinha buraco lá! Pelo menos eles, os mais chegados... O Fuminho o grande cantor e amigão, a família Büchler, seu Jovino tocador de sanfona e motorista de praça...?
Esqueci-me que fatos, coisas e pessoas perdem-se pelas esquinas da vida. E, quando você força a recordação dói demais. Mas eu já sabia disso: um dia retornei. Depois de muitos anos. E fui pensando: primeiro vou procurar a Emissora de Rádio, pois lá é o lugar certo para obter informações sobre uma cidade e, afinal, trabalhei ali nos meus 17 anos... Vou chegar e dizer que fui engraxate defronte a estação ferroviária, locutor da Rádio, vendedor de tecidos na Riachuelo que ficava defronte a Pernambucanas, auxiliar de alfaiate, professor de datilografia e que, agora, sou escritor, jornalista profissional, presidente de Instituto. Só isso basta. Vão querer um livro meu e um disco dos seis que gravei prá tocar na Rádio. Talvez, até me entrevistem!.
Receberam-me como as pessoas educadas recebem as pessoas.
- O senhor deseja...?
- Falar com...
Não sabia com quem. Ah! Com o diretor.
- Não está. Alguém mais...?
- Não. Obrigado. Volto outro dia.
Esse outro dia nunca aconteceu e, pelo andar da carruagem, nunca mais.
Afinal, nem pediram meu livro e nem quiseram ouvir as musiquinhas que toco na gaitinha de boca, sem respirar pelo diafragma!

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