Ensaio

Continuando com a programação de 2020, no mês de maio trabalharemos o ensaio.
O que é um ensaio?

"O ensaio contém a discussão livre, pessoal, de um assunto qualquer. O ensaísta não procura provar ou justificar as suas ideias, nem se preocupa em esgotar o tema escolhido; preocupa-o, fundamentalmente, desenvolver por escrito um raciocínio, uma intuição. Daí que o ensaio constitua também uma manifestação de humildade, e faça da brevidade e da clareza de estilo os seus esteios máximos: o ensaísta conhece por experiência as limitações do saber humano e que os torneios frásicos absconsos, o vocabulário especioso e bizantino, os neologismos forçados, etc., não raro escondem o vazio intelectual.

O ensaio não é investigativo, podendo ser impressionista ou opinativo.

O ensaio vale menos pelo acerto ou procedência das ideias que pelos horizontes que descortina aos dois interlocutores, um ativo porque compõe o escrito, outro passivo até certo ponto, porque reage aos conceitos expendidos, acolhendo-os ou refutando-os."

O ensaio assume a forma livre e assistemática sem um estilo definido

Regem o ensaio três ideias básicas:
o auto-exercício das faculdades;
a liberdade pessoal;
o esforço constante pelo pensar original.

Levar em conta que o ensaio serve para formular um ponto de vista pessoal sobre algum tema, de forma persuasiva.

Como surgiu?
Montaigne foi quem criou o ensaio e o batizou com os Essais, publicados em 1580. Entretanto, admitido um conceito amplo de ensaio, pode-se dizer que desde a antiguidade era praticado, ainda que sem o apelativo por que veio a ser conhecido. Assim, a Poética de Platão, as Meditações de Marco Aurélio, os escritos de Séneca, Plutarco, Teofrasto, e outros, têm sido alinhados na mesma rúbrica. Entretanto, é dos Ensaios de Montaigne que deriva a conceituação moderna acerca da matéria e o modelo seguido desde o século XVI, com algumas mudanças impostas pela natural evolução da atividade literária.

Segundo Massaud Moisés: "A autobiografia ou o diário íntimo podem ser divisados pelo flanco do ensaio, no momento em que há um exame dos vários problemas que assaltam a consciência do indivíduo. O escritor é movido por um intuito diferenciado, e o tom ensaístico decorre da atmosfera sugerida pelo contexto". (MOISES, Massaud. A criação literária, Prosa. Pág.225)

Passos para escrever um ensaio:
- Selecionar um aspecto relevante
-Você precisa selecionar um aspecto específico, que seria bastante fácil de descrever de uma maneira compreensível.
- Faça uma introdução clara e coerente, que será localizada no parágrafo inicial.
- Escreva o texto na primeira pessoa (Eu)
- O texto é um pensamento e opinião crítica
-Escreva os parágrafos do corpo. Lembre-se de que todo parágrafo do corpo deve corresponder à sua sentença. O objetivo desses parágrafos é provar que suas ideias têm o devido sentido e que você está certo sobre isso ou sobre outro assunto (prós e contras).
- Dê alguns detalhes interessantes.
-Faça uma conclusão coerente e lógica. É aqui que você vai resumir tudo o que escreveu no ensaio


A seguir, um exemplo de ensaio de Fernando Pessoa:
Fernando Pessoa: O ensaio sobre a Iniciação
“Havia três razões pelas quais nas religiões pagãs certas verdades, ou coisas supostas serem verdades, eram transmitidas só em segredo e reclusão, por iniciação. A primeira era uma razão social: pensava-se que essas tais verdades eram impróprias para transmissão a qualquer homem, a nau ser que ele estivesse em certa medida preparado para as receber, e que elas teriam resultados sociais desastrosos se fossem tornadas públicas, pois isso significaria que seriam mal compreendidas. «Etiamsi revelare destruere est…» A segunda era uma razão filosófica: supunha-se que, em si próprias, essas verdades não eram de um género que o homem comum pudesse compreender e que lhe poderia advir confusão mental e desequilíbrio na conduta se lhe fossem inutilmente comunicadas. A terceira era, por assim dizer, uma razão espiritual: pensava-se que, por serem verdades da vida interior, essas verdades não deviam ser comunicadas, mas sugeridas, e que a sugestão devia ser impressiva, rodeada de secretismo, para que pudesse ser sentida como de valor; de ritual, para que pudesse impressionar e surpreender; de símbolos, para que o candidato fosse forçado a abrir o seu próprio caminho, lutando por interpretar os símbolos, em vez de se julgar cheio de conhecimento se a comunicação tivesse sido feita por ensinamento dogmático ou filosófico.

Não digo que estas três razões se apresentassem claras ou em separado ou em conjunto, embora assim divididas, nos espíritos dos antigos, sacerdotes ou leigos das suas religiões. Mas digo que, quando não por inteligência directa, ao menos por intuição, eles basearam as suas religiões neste esquema divisional.

As religiões dos Antigos, e sobretudo as religiões pagãs da Grécia e Roma, que são as que mais nos interessam, uma vez que os nossos espíritos são seus filhos, estavam divididas em três formas. Havia uma forma social, o culto, que era o do homem como cidadão. Havia uma forma individual, a poesia, que era do homem como não-cidadão; cumprido o culto devidamente, ele podia interpretar para si os deuses como entendesse e elaborar as suas lendas como lhe parecesse mais adequado. E havia uma forma secreta, a iniciação, que participava em segredo das características de ambas: era individual porque, mesmo quando a iniciação era colectiva como nos grandes Mistérios pagãos, era sempre o indivíduo o iniciado e não o grupo; era social, porque a iniciação era comunicada em ritual e o ritual é social.

O que com os Cristãos raramente está associado ou fundido com a poesia como acontecia com os pagãos. (Não compreenderemos a Idade Média até que compreendamos que a teologia era a sua poesia, que a ausência de poesia então mais não era que a presença da poesia sob outra forma).

Todas as religiões, porém, estão no mesmo estado que as grandes religiões pagãs. As três formas de religião serão encontradas de uma forma ou de outra em todas. Nas religiões cristas, por exemplo, temos o culto público, quer seja altamente cerimonial como na Igreja Romana, quer pobre até à nudez como nas seitas protestantes extremistas; temos a religião individual significando a reflexão pessoal sobre os dogmas e fórmulas de fé, e isto é teologia onde (com os pagãos), era antes poesia; e temos a vida interior do cristão, que é a sua iniciação, porque nas religiões cristãs a iniciação é considerada como dada por Cristo, só,misticamente, e não por qualquer sacerdote ou hierofante ritualmente ou ceremonialmente. Por outras palavras — cujo sentido mais exacto será compreendido mais tarde — a iniciação pagã encaminhou-se para a Magia, como fazem todas as iniciações rituais, e a iniciação cristã encaminhou-se para o Misticismo, como fazem todas as iniciações meditativas.

Qualquer que seja o número de graus, exteriores ou interiores, na escala de ascensão para a verdade, eles podem ser considerados como três — Neófito, Adepto e Mestre. Na realidade, os graus são dez — quatro para o Neófito, três para o Adepto e três, por assim dizer, para o Mestre. Há realmente também dois intergraus que ficam entre o primeiro e o segundo, e entre o segundo e o terceiro há ordens, estas também não numeradas. Os graus não numerados são graus de noviciado, enquanto os outros são, cada um na sua medida, graus de realização.

O Neófito, ao longo dos graus que esta expressão descreve, é essencialmente um aprendiz; o seu caminho é em direcção à realização do conhecimento na esfera exterior. No Adepto, ao longo dos seus três passos, há um progresso na unificação do conhecimento com a vida. No Mestre há, ou diz-se que há, uma distribuição da unidade assim atingida em virtude de uma unidade mais elevada.

Uma comparação com coisas mais simples tornará isto mais claro, creio. Suponhamos que o escrever grande poesia é o fim da iniciação. O grau de Neófito será a aquisição dos elementos culturais com que o poeta terá de tratar ao escrever poesia e que são, grau a grau e no que se afigura ser uma analogia exacta: 0) gramática, 1) cultura geral, 2) cultura literária particular, 3) [incompleto no original, e a numeração salta] O grau de Adepto será, extraindo a analogia da mesma maneira 5) o escrever poesia lírica simples como num poema lírico comum, 6) o escrever poesia lírica complexa como em, 7) o escrever poesia lírica ordenada ou filosófica como na ode.

O grau de Mestre será, da mesma maneira: 8) o escrever poesia épica, 9) o escrever poesia dramática, 10) a fusão de toda a poesia, lírica, épica e dramática em algo para lá de todas elas.

Ao leitor desta analogia literária ocorrerão três observações. A primeira é que se pode ser poeta sem os graus de Neófito, Adepto do primeiro grau de Adepto sem sequer se «tomar» o primeiro grau de neófito. A segunda é que a progressão descrita não corresponde à que habitualmente acontece na vida, seja ela a de um poeta ou a de qualquer outro homem. A terceira é que a função de toda a poesia, lírica, épica e dramática, em algo que fica para além das três, é uma realização que excede a compreensão.

Levei o leitor a fazer estas observações para que eu pudesse, replicando-lhes, completar a analogia com uma explicação.

Quanto à primeira observação: O primeiro grau de Adepto é, na verdade, o primeiro grau real da iniciação real. Um místico simples, que funde a sua fé e a sua vida, atingiu o começo da iniciação real, enquanto o neófito aperfeiçoado, no qual a fé (ou conhecimento) e a vida ainda estão separados, não a atingiu. Mas se o Adepto espontâneo tiver atingido o Quinto Grau sem ter passado pelos cinco primeiros (que incluem o grau Zero), terá de permanecer largo tempo à entrada da Câmara do Meio, onde se pode adequadamente dizer estar «colocado» o primeiro grau de Adepto. Para passar ao Sexto Grau ele terá, em certo sentido, de voltar ao princípio.”
s.d.

Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética – Fragmentos do espólio. Fernando Pessoa. (Introdução e organização de Yvette K. Centeno.) Lisboa: Presença, 1985.

“Ensaio sobre a Iniciação.” Trad.: Maria Helena Rodrigues de Carvalho

Como tarefa, vamos fazer um texto livre que tenha inicio, meio e fim, em que vocês irão defender um tema (prós e contras), não precisa inserir citações. Será seu ponto de vista sobre um assunto qualquer. Lembre que no meio vem o seu ponto de vista, no inicio haverá um parágrafo de introdução sobre o assunto em discussão e na conclusão, haverá uma revisão de seus pontos de vista anteriores e conclusão final. Não precisa ser extenso como o apresentado de Fernando Pessoa. Envie para: letrasnojardim@gmail.com


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